sexta-feira, 5 de junho de 2015

Diário do Alentejo Edição 1728

Editorial
Boia
Paulo Barriga

Li isto, tal e qual como agora
o transcrevo, num blogue.
Ainda que a perplexidade sobre
a coisa lida me continue a flagelar,
não tive a oportunidade, nem o vagar,
nem a vontade de a confirmar junto
da fonte primordial: o programa eleitoral
do Partido Socialista. É certo,
bem sei, que é um dever do jornalista
beber nas boas fontes. Mas, peço-vos
hoje e apenas hoje, que não me obriguem
a tamanha violência. Posso garantir,
no entanto, que aquilo que
se vai reproduzir já foi abundantemente
comentado e não sofreu qualquer
tipo de reparo ou de refazimento
por parte do seu ou dos seus autores.
O que, ao abrigo da ancestral regra do
“quem cala consente”, torna válida a
sua existência, forma e conteúdo. A
estratégia política do PS para a próxima
legislatura também passa, ora
amanhem-se lá com esta, por apoiar
“a garantia de proteção e defesa do titular
de cargos políticos ou públicos
contra a utilização abusiva de meios
judiciais e de mecanismos de responsabilização
como forma de pressão
ou condicionamento”. É de doidos,
não é verdade? Quando se pensava
que a desfaçatez e a pouca-vergonha
tinham atingido o seu momento auge
com o arranjinho que os partidos do
“arco do poder” estavam a tecer na
sombra para condicionar os órgãos
de comunicação social na cobertura
das próximas eleições, eis que a tropa
de António Costa volta a surpreender,
mesmo os mais desassombrados.
O que neste rasgo de impudor se
defende é que os tribunais são uma
chatice para o bom exercício da política
ao jeito de Costa que, a julgar pelos
peões que começam a aparecer no
tabuleiro do jogo, é quase a mesma
coisa que dizer ao jeito de Sócrates.
É muito feio extrapolar, que me perdoem
todos os inocentes, mas se este
pedaço de erva-azeda não saiu de
dentro da prisão de Évora, então foi
propositadamente aventado lá para
dentro. Repare-se na precisão cirúrgica
deste raciocínio retorcido que
sustenta ainda “a delimitação rigorosa
das situações em que deva existir
responsabilização financeira dos
titulares de cargos políticos, reduzindo
situações de discricionariedade
ou incerteza”. Enquanto no primeiro
mundo a questão da separação dos
poderes, a transparência no e exercício
de cargos públicos e a assunção
de responsabilidades políticas avança
de forma heroica, no Portugal dos pequenitos
cada cavadela que se crava
na horta da ética e da deontologia do
desempenho do poder dá minhoca.
Esta “visão” socialista é inaceitável
para qualquer cidadão delapidado
pelas asneiras e pelas aparentes trafulhices
que estes mesmos artistas fizeram
na governança. Mas é compreensível
do ponto de vista do arrais,
quando sente que o barco está encalhado
e constata que parte da sua tripulação
já caiu ao oceano dos aflitos e
outra parte já imagina naufrágios em
mares nunca dantes navegados.

Sem comentários: