sexta-feira, 12 de junho de 2015

Diário do Alentejo Edição 1729

Editorial
Greve
Paulo Barriga

Em democracia, nas sociedades
evoluídas, qualquer pessoa razoável
aceitará de bom grado o direito
à greve. Aliás, em Portugal, como na
maioria das democracias ocidentais, esta
é uma questão com carga constitucional
e, excluindo um ou outro achaque governamental
sem grande relevo, universalmente
aceite. Por norma, são as organizações
sindicais que costumam avançar
para estas ações reivindicativas, limites,
e de grande dureza. Até lhes costumam
chamar “formas de luta”, dadas as mazelas
que sempre causam, mesmo quando
a adesão é relativa. No fundo, a greve é a
“medida de ação” máxima que a lei permite
aos trabalhadores de uma empresa,
entidade ou organização. Pelo que é usual
ser promovida na sequência de questões
laborais de grande gravidade: despedimentos
coletivos, desrespeito dos acordos
de empresa, salários em atraso, congelamento
de carreiras, carga horária
excessiva, falta de retribuição por horas extraordinárias…
Enfim, a greve é o campo
de batalha do mundo do trabalho e, talvez
por isso mesmo, é sempre tão melhor
aceite pelos partidos e pelos movimentos
que se posicionam mais à esquerda na
meia-laranja da política. Isto é o que nós
pensávamos até à semana passada. Altura
em que os trabalhadores de uma empresa
intermunicipal de tratamento de resíduos
chamada Resialentejo, que fica em Beja,
reinventaram a filosofia e as dinâmicas
do próprio conceito de “greve”. Numa verdadeira
finta de rabia aos sindicatos, criaram
de forma autónoma uma “comissão
de greve”, para a qual foram designados os
cinco funcionários que trataram de expor
as reivindicações e os motivos da “luta”. E
quais são eles? Em primeiro, que os municípios
proprietários paguem as dívidas
que tem para com a sua própria empresa.
Em segundo, a criação de um conselho
consultivo que integrará, naturalmente, os
trabalhadores. Em terceiro, a extinção do
cargo político de diretor executivo e a abertura
de concurso público para esta mesma
função com parecer vinculativo dos trabalhadores.
Em quarto, quinto e sexto, coisas
que têm a ver com a estratégia e caminhos
futuros a seguir pela empresa. Em sétimo,
e por último, a administração deve reunir
anualmente com os trabalhadores para
lhes apresentar os objetivos, o orçamento
e o plano de atividades da empresa. Nem
nas mais quentes alvoradas das nacionalizações
de Abril algum dia se almejou a
tanto, nem mesmo por parte das mais empedernidas
brigadas revolucionárias. Mas
o mais interessante dos avanços neologistas
dos grevistas tem a ver com a qualidade
da própria administração da Resialentejo.
Uma entidade que, resultante da tendência
eleitoral das últimas eleições para as
autarquias locais, é administrada maioritariamente
por eleitos comunistas. Não
deixa também de ser interessante perceber
como é que o “partido dos trabalhadores”
descalça esta bota que aqui foi curtida pelos…
trabalhadores, eles mesmos. Que me
desculpem todos os envolvidos nesta batalha,
mas uma greve sem sindicatos por
detrás, feita por trabalhadores que almejam
apenas ser administradores e numa
organização dirigida por eleitos do PCP é
muito à frente.

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