sábado, 4 de julho de 2015

Diário do Alentejo Edição 1732



Editorial
Estrume
Paulo Barriga


Aqui há um bom par de anos vi
um daqueles filmes de cobóis
tão rasqueirosos, tão miserável
que nem do nome me consigo lembrar.
Americano, com certeza, tecnicolor
primitivo, cenário a pincel, acho. A
única coisa que retive de entre os grunhidos
que com dificuldade poderei recordar
como diálogos foi o seguinte, ou
algo parecido: “o dinheiro é como o estrume,
apenas tem valor quando é bem
estrambalhado”. Nem mais, o dinheiro
é como o estrume. Amontoado, ganha
cheiro e mosquedo. Espalhado, fertiliza
a plantação. A questão fundamental
que se coloca às sociedades contemporâneas
tem precisamente a ver com a
falta de trabalho de forquilha e de encinho.
O dinheiro existe e em considerável
abundância. Mas está todo ajuntado
em medas, a fermentar em meia-dúzia
de estábulos doirados. Amontoado.
Gananciosamente amontoado. Boa
parte dos problemas que hoje tolhem a
Humanidade, desde a ecologia aos conflitos
armados, passando pelos radicalismos,
pela escassez de água e de alimentos
ou pelas derivas migratórias,
teriam, por certo, pronta resolução caso
o dinheiro que hoje apenas existe em
tulhas fosse espalhado por esse mundo
fora. É certo que a minha conversa à cobói
filosófico pode cheirar, salvo seja, a
tanga. A utopia. A ilusão. Está hoje em
voga na baixa cultura ocidental a ideia
do fatalismo, ao mesmo tempo que se
desenterrou o tão bafiento e católico
sentimento de culpa. E de punição. Um
cocktail mental, aparentemente sem
tratamento, que nos impele a encolher
os ombros perante os males que achamos
serem sempre dos outros. Veja-se
o caso da Grécia, olhando para a nossa
própria figura. É um facto, ninguém o
negará, que até 2010 os gregos viveram
“a cima das suas possibilidades”, para
utilizar uma expressão cara aos enfabuladores
de serviço. Para inverter essa
tendência, há cinco anos a esta parte, os
sucessivos governos postos em Atenas
foram obrigados a acolher medidas de
austeridade que conduziram o País não
à tona, mas antes ao fundo do pântano.
Sendo que todo o dinheiro proveniente
dos supostos apoios internacionais depressa
se foi convertendo em pagamentos
usurários desse mesmo dinheiro. A
dívida da Grécia, tal como a nossa, é impagável
e ingerível e injusta. Disso todos
sabem. Mas disso ninguém quer falar.
A pendência grega não tem a ver com
acordos financeiros, mais ou menos
austeros, que conduzam ao pagamento
progressivo da dívida. Tem a ver com a
própria dívida e com a sua reformulação.
Tem a ver com a máfia financeira
internacional. Tem a ver com a Europa
atomizada e egocêntrica e germanófila…
O que vai a votos no domingo na
Grécia não são os termos de um acordo
que, fosse ele qual fosse, traria mais do
mesmo. O que vai a votos é o próprio
modelo europeu num mundo refém do
capital. O que vai a votos no domingo,
afinal, é o estrume. Espero que os gregos
saibam votar a favor de o estrambalhar
por toda esta terra, fertilizando-a

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