sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Diário do Alentejo Edição 1741

Editorial
Zambujeira
Paulo Barriga

Correm por estes dias três anos
que a Zambujeira do Mar foi
eleita a melhor praia urbana
no concurso “7 Maravilhas – Praias
de Portugal”. Um reconhecimento merecido,
muito mais do que merecido,
principalmente para quem tem por
hábito confrontar-se com aquele mar,
com aquele pôr-do-sol, com aquela calmaria
própria da finisterra, com aquela
pincelada de cal que se dependura sobre
as falésias. A Zambujeira do Mar,
até meados da década de 1990, era não
apenas a melhor praia de Portugal: era
simplesmente a praia. Bela na sua timidez
natural. Selvagem, embora dócil.
Surpreendente em cada recanto
que a maré vaza lhe descobria. Um
diamante em bruto, onde persistiam
pouco menos de um milhar de habitantes
que dividiam os seus afazeres entre
as levas do mar e as plantações no planalto
arenoso. Gente simples mas acolhedora.
A Zambujeira era, mas já não
é, uma aldeia alentejana como quase
todas as outras, embora a única que
verdadeiramente parecia querer abalar
oceano adentro, como profetizou
José Saramago. E isso mesmo percebeu
a organização do Sudoeste quando,
em 1997, montou palco numa herdade
das redondezas e para lá fez encaminhar
dezenas de milhar de festivaleiros.
A Zambujeira do Mar nunca
mais foi a mesma. A simpatia dos habitantes
cedeu lugar à desconfiança.
A convivência simples e fraterna e humana
foi atropelada pela ganância. Ao
aconchego e ao confortamento sucederam
a algazarra e a cobiça e a mesquinhez.
De um dia para o outro, a melhor
praia urbana do mundo (nesse tempo
sim) transformou-se numa ávida negociata
de vão de escada. Com a procura
em crescendo, os comerciantes inflacionaram
os preços de forma desmesurada,
as pessoas largaram a alugar
as próprias habitações de família a preços
exorbitantes, aceder a um restaurante
passou a ser quase como ir fazer
avio à ourivesaria. Em sentido inverso
à vertigem inflacionária, caíram a pique
ou desapareceram por completo a
qualidade dos serviços, dos alojamentos,
das refeições… isto para nem falar
dos afetos. Que, afinal, em simultâneo
com a beleza natural do sítio, eram
o outro e fundamental elemento da
gema que nunca chegou a ser lapidada.
Mas o Festival Sudoeste também envelheceu
ao mesmo tempo que o seu público
foi rejuvenescendo. Hoje, as hordas
festivaleiras já não se abatem sobre
a Zambujeira do Mar. Embora a qualidade
do trato e, principalmente, o tamanho
dos preços se mantenha não ao nível
do cão, mas um pouco abaixo. É por
isso que a Zambujeira do Mar este ano
esteve às moscas (não, as obras do Polis
não são desculpa para coisa nenhuma).
É por isso que os amigos de sempre
vão deixando de lá ir. É por isso que já
não faz sentido designar como melhor
praia urbana de Portugal a Zambujeira
do Mar. Porque as pessoas de lá, que a
mostraram ao mundo, são as mesmas
que a arruinaram. Como naquela história
da galinha dos ovos de ouro.

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