sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Diário do Alentejo Edição 1744

Editorial
Suão
Paulo Barriga

Há muito que não corria
em Portugal um vento tão
fraturante como este que
agora se faz sentir. A aragem corre
do quadrante Sul. No Alentejo costumamos
apelidar este fenómeno
de “suão”. Coisa abafada e asfixiante
e intolerável, por vezes. O
suão que hoje nos atinge, como
todo e qualquer bom suão, também
é pegajoso. Cola-se à pele. A
questão é que este suão não é propriamente
uma massa de ar. É uma
“massa de pessoas”. De gente que,
como o vento, tenta migrar de regiões
com “altas pressões” para outras
onde a pressão é inferior. São
as dinâmicas normais da natureza.
Embora muitas vez se exclua
o Homem dos processos naturais.
Ou o Homem se exclua da própria
natureza. Não é difícil explicar o
modo como se deslocam as massas
de ar sobre a superfície da terra. Já
o mesmo não se dirá sobre as causas
que levam as massas humanas
a arrastarem-se sobre o mapa. A
guerra, a fome, o clima... Quando
nestes dias as televisões nos atiram
à cara milhares de seres humanos
a galgarem fronteiras apenas
com a roupa que trazem agarrada
ao corpo, o que nos está a mostrar
não é somente o drama dessa
gente, o terror que se esconde para
lá de cada um daqueles rostos, é o
medo. Mas não o medo que levou
essa mole humana a largar as suas
famílias, as suas casas, os seus lugares,
as suas pátrias. É o medo de
quem assiste ao drama de pantufas
calçadas. É o nosso próprio medo.
Um medo animalesco. Primário.
Tão mesquinho e tão repulsivo
como o terror que é imposto aos
migrantes nas suas terras de origem.
Como mesquinhos e imprudentes
são os argumentos daqueles
que se recusam a receber estas
pessoas na sua soleira. Dizem que
é gente de pouca confiança, que
ali pelo meio há terroristas, que
nos vêm islamizar, que não respeitam
nada nem ninguém, que nos
vêm retirar aquilo que é nosso…
Enfim, que é gente bárbara e nada
recomendável. Portugal é historicamente
um país de migrantes.
Ainda nos últimos anos, contas
por baixo, perto de meio milhão
de portugueses zarpou daqui para
fora. Pessoas que foram igualmente
impelidas pela fome e por um formato
de terrorismo mais “requintado”
a que os políticos gostam de
chamar austeridade. Estes portugueses,
estes nossos irmãos, foram
como costuma ir o vento: fugiram
às altas pressões. Para um qualquer
lugar que agora também já
lhes pertence. Julgar que os outros
são inferiores aos nossos é um cálculo
errado e de perfeita negação. É
certo que o suão, quando sopra cálido,
é quase irrespirável. Mas não
foi o povo português que inventou
o provérbio “o sol quando nasce é
para todos”?

Sem comentários: