sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Diário do Alentejo Edição nº 1748

Editorial
A baixo
Paulo Barriga

Em outubro de 2010, um incêndio
de grandes proporções
consumiu o Gabinete Técnico
da Câmara Municipal de Beja. Foram
irreparáveis os danos causados num
edifício que se situava bem no coração
da cidade, na confluência da rua
da Moeda com a praça da República.
Mas como uma verdadeira Fénix
que renasce da sua própria combustão,
sob os escombros vieram à
luz do dia peças fundamentais para
completar o puzzle da mais importante
cidade romana do sudoeste peninsular:
Pax Julia. Trabalhos arqueológicos
trouxeram desde logo à
superfície vestígios de um templo dedicado
ao imperador Tibério (14-37
d.C.). Uma construção muito semelhante
ao templo de Diana, em Évora,
mas de maiores dimensões, e que é o
único do género em toda a extensão
do antigo império romano por conservar
na integralidade o tanque de
água circundante. Esta edificação foi
parcialmente identificada por Abel
Viana em 1942, aquando da construção
do depósito de água de Beja. Mas
o que o arqueólogo então não constatou
foi que esse mesmo equipamento
estava a ser levantado nas fundações
de um outro templo ainda mais antigo,
dedicado a Augusto (25-15 a.C.,)
e que remonta ao tempo da fundação
da própria cidade. Assim como não
vislumbrou o pórtico do fórum de
Pax Julia, estrutura que se estende até
à rua dos Infantes e que testemunha
a imponência da cidade desaparecida
e hoje reencontrada. Os textos antigos
bem nos falavam da importância
desta cidade ao tempo da expansão
do império de Roma. Diferentes vestígios
aparecidos aqui e ali, por norma
fora do local de origem, também foram
ajudando a confirmar essa ideia.
Mas, para o bejense (ou pacense) comum,
a ideia de Pax Julia, por ausência
de prova substancial, monumental,
nunca deixou de ser uma lenda.
Uma história de encantar cuja veracidade
pecava por defeito, por falta de
prova firmada no terreno. Por fim, alguns
dos mais importantes edifícios
de Pax Julia estão ali, bem à mão de
semear, embora ainda não à vista de
todos. Isto porque naquele preciso
local persiste um depósito de água
construído vai para setenta anos.
Edificação sem relevante interesse
estético ou arquitetónico, acometida
por deficiências estruturais assinaláveis,
e que hoje, segundo os especialistas
na matéria, não tem qualquer
utilidade para os fins que presidiram
ao seu levantamento. Bem sei que
este é um assunto que está a encarniçar
muita gente, principalmente pessoas
que têm interesses ou posições
a defender ao nível da política local.
Mas a demolição do depósito de água
para dar espaço a estruturas únicas
datadas do tempo em que esta cidade
foi, de facto, relevante, não me parece
coisa que deva ser colocada no campo
do clubismo político. Para mim, o depósito
de água de Beja não é para ir
mais para a esquerda ou mais para a
direita. É mesmo para ir a baixo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não diria melhor.