quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Diário do Alentejo Edição 1752

Editorial
Declaração
Paulo Barriga

Portugal está de luto. A sua segunda
maior cidade, Paris, foi
atingida pela ignomínia, mais
uma vez. Não, não vale a pena retomar
o discurso da amenização e do tempero.
Não vale a pela redizer que o islão não se
revê nesta barbárie, nesta cobardia. Não
vale a pena relembrar que um bom muçulmano
não ata à cintura uma carga de
explosivos para se fazer explodir no meio
de inocentes. De uma vez por todas: o
que aconteceu em Paris, em Londres,
em Boston, em Madrid, em Nova Iorque
nada tem a ver com o domínio religioso.
“Deus não tem misericórdia daquele
que não tem misericórdia dos outros”.
As palavras que ficaram atrás foram reveladas
pelo Arcanjo Gabriel ao profeta
Maomé. E são tão válidas na Europa ou
nos Estados Unidos, como em Beirute,
Alepo, Bagdade, Ancara ou Nairobi. É
um erro crasso tomar estes atos terroristas
como episódios de uma suposta
guerra santa que tende a alastrar às sete
partidas do mundo. A guerra existe, é
inegável, e está a revelar contornos de
perfeita insanidade. Mas tem tanto de
santa como a bomba de Hiroxima ou
o campo de Birkenau. Esta guerra, que
a tempos faz voar estilhaços sobre o
Ocidente, é uma guerra de nervos. Mas
não deixa de ser uma guerra convencional,
territorial, geopolítica, embora com
requintes de crueldade, não se dirá inéditos,
mas antes algo anacrónicos. Quem
imaginaria que, chegada a Humanidade
ao século XXI, se assistiria ao continuado
espetáculo ritualista de decapitações
sumárias, de apedrejamentos capitais,
de defenestrações impiedosas? Ao
rapto massivo e à escravização sexual de
crianças? À implosão festiva de joias patrimoniais
únicas? Ao ódio sem quartel
e sem qualquer ponta de afeto pela própria
vida? Sim, estamos em guerra. Mas
esta guerra, ao contrário do que veicula a
propaganda do agressor, tem um rosto: o
Estado Islâmico. Que quando há quatro
anos se autoproclamou não era estado,
nem islâmico. E que hoje prossegue sem
ser islâmico, embora talvez estado. Uma
vez que domina um território, tem governo
e exército próprio, cobra impostos,
financia-se e desenvolveu ordenamento
jurídico. O que é difícil de entender, ou
talvez nem por isso, é por que razão não
assume o Ocidente, de facto e no terreno,
a guerra que existe, que é cruel como
poucas, e que até nos é servida por estafetas
ao domicílio? Nenhuma outra
guerra recente o exigira tanto como esta.
Nunca, em nenhuma das outras, como
nesta guerra que ninguém quer pegar
pelos cornos, o negócio subterrâneo das
armas, do petróleo e das antiguidades foi
tão florescente. Sigam-se as enlameadas
pegadas do dinheiro e depressa se chegará
a Paris, a Beirute, a Nova Iorque e a
todos os locais onde a infâmia tem afrontado
a nossa maneira de ser, os nossos valores
fundamentais, a nossa civilização.
E assim talvez se perceba de vez que o
verdadeiro inimigo não está entre as hordas
de refugiados e nem sequer nos bairros
radicalizados das grandes metrópoles
europeias. Hoje os sinos dobram por
Paris. Amanhã por quem dobrarão?

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