sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Diário do Alentejo Edição 1753

Editorial
Azeites
Paulo Barriga

O Alentejo está diferente. Em pouco
mais de uma década, os searões de cereal
deram lugar às florestas de oliveiras. De
celeiro da nação, o Alentejo, em especial o
território onde chega a água do Alqueva,
passou a lagar da Europa. O verde impôsse
ao amarelo doirado. Ao deserto sucedeu
o oásis. O Alentejo está diferente.
Mas será que o Alentejo da azeitona é assim
tão diferente do Alentejo do bago de
trigo? Nalgumas aspetos, sim, noutros…
É evidente que o incremento do olival
propiciou uma amável euforia ao nível
das empresas agrícolas. Obrigou a investimentos
como nunca até aqui se tinham
visto nem imaginado. E, se nalguns casos
ainda não está a ser, promete ser generoso
no retorno do empreendimento
feito. Isto em termos financeiros, claro.
Pela primeira vez Portugal é autossuficiente
nalguma coisa de real valor e essa
coisa é o azeite. O clima, a água e a qualidade
dos solos ajudam. Até os mercados
têm dado uma mãozinha. Na cor com
que se pinta, o Alentejo está realmente
diferente. A monocultura da oliveira
trouxe tonalidades pouco vistas nestes
campos ao nível da confiança, do atrevimento,
do risco, da esperança, quase da
euforia. Mas esta toada entusiástica pode
esconder, está a esconder, algumas zonas
de sombra. Uma delas é sem dúvida
a posse e o uso da terra. A quantidade e
sobretudo a qualidade extraordinária
do azeite aqui produzido têm proporcionado
boas e modernas práticas agrícolas,
mas também têm sido chamariz
para muitos aventureiros cujo objetivo
único é o lucro fácil e apressado. Em
Espanha existem exemplos pouco dignificantes
de como a soberba e o aventureirismo
podem matar em poucos anos
a galinha dos ovos de ouro. Se, por um
lado, a pressão agrícola desregrada nos
olivais pode ferir de morte o ambiente,
por outro, a pressão financeira e económica
pode abalar de forma empenhada
o tecido social. Não vale a pena continuar
a encobrir o que está à vista de todos. As
campanhas da azeitona estão a transformar-
se em autênticos mercados de escravos.
Por muito que as polícias redobrem
a atenção e intensifiquem as suas
atuações, multiplicam-se os casos de tráfico
humano nos olivais do Sul. Por esta
altura há gente aos magotes a viver em
condições desumanas, amontoada em
cubículos insalubres, subnutrida, explorada
até ao tutano. Gente que sobrevive
do rabisco não das oliveiras, mas dos
contentores do lixo dos supermercados
e das aldeias. Como é óbvio, nem todos
os produtores têm as mãos sujas. E cabe
precisamente a estes, aos que respeitam
as boas práticas ambientais e laborais,
o dever da denúncia. A subcontratação
de mão-de-obra não prova nem justifica
o desconhecimento e muito menos
o silêncio. Neste momento, podemos ter,
do ponto de vista organolético, o melhor
azeite do mundo. Mas está maculado
com trabalho escravo. Mesmo tratando-
-se de azeite, neste ponto, parece não haver
virgens e muito menos virgens-extra
quando o que escorre do aperto das
azeitonas é o néctar da desumanidade.
O Alentejo está diferente, mas se calhar
nem tanto quanto isso.

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