sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Diário do Alentejo Edição nº 1755


Editorial
Embrulho 
Paulo Barriga 

O Natal está transformado num caso sério. Muito sério mesmo. Está ao nível das mais desenfreadas neuroses coletivas. Daquelas mais agudas. Convulsas e intratá- veis. Ao fim de dois mil e tal anos, vingou em toda a linha a tendência pastoril que defende o Natal como um acontecimento para recriação di- ária e não apenas para uso no aniversário do Menino. Porreiro, pá! Mas, ao invés da generalização da palavra bendita e da ação de graças, da benevolência e do afeto, aquilo que este Natal a cada instante oferece é um embrulho. Apenas. E só. Um invólucro tanto maior, quanto mais espessa for a expiação do ofertante. E o peso da sua carteira. Como se do presé- pio jamais tivesse constado vaca ou burro. E apenas possuíssem valor e validade não os reis do Oriente, mas um quarto mago proveniente das estepes geladas. Mãos largas. Ostentativo. Pândego. Um intruso no palheiro capaz de aligeirar o peso que a ausência, a carência de afetos e o desapego continuado produzem sobre a consciência. É verdade, e as grandes superfícies comerciais bem o fazem relembrar: nos tempos que correm, o Natal é sempre que o homem quiser. Sempre que homem e sempre que a máquina que consegue ler os preços das coisas através dos códigos de barras o quiserem. Não são brinquedos, nem perfumes, nem aparelhos eletrónicos o que hoje se coloca dentro do embrulho natalício. É antes o infindá- vel sentimento de culpa que se abate sobre as sociedades contemporâneas. É a tal patologia neurótica que a todos afeta e cujos efeitos, segundo a propaganda oficial, podem ser aligeirados pelo consumo massivo. Vivemos sob o signo do evangelho segundo o Pai Natal. Onde a palavra conta menos que a posse. Onde o tempo para estar não tem valor face ao tempo de dar. Onde a felicidade e a alegria se medem em função do sorriso exposto diante do embrulho. O santo embrulho. O consolo da consoada mede-se em calorias, em desperdício e, essencialmente, nos despojos que cada um consegue amontoar junto ao contentor do lixo. Anunciado nas vitrinas todos os dias do ano, o Natal está transformado num caso sério. Num caso muito sério e de difícil desembrulho. 

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