segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Diário do Alentejo Edição nº 1756


Editorial

Paixão

Paulo Barriga

O jornalismo apenas se aparenta à literatura quando é apaixonado. Estas palavras pertencem à escritora francesa Marguerite Duras. E, embora velhas com mais de 30 anos, fazemos hoje delas uso para abordar o iminente estado de colapso a que chegou a imprensa escrita portuguesa, em particular os títulos de expressão dita “nacional”. Esta semana deixaram de se publicar dois jornais. Um diário, o “I”, e um semanário, o “Sol”. Há igualmente fortes indícios de que o “Diário Económico” não se aguentará por muito tempo. E o “Público” tem em marcha um programa de rescisões que o conduzirá da sua atual pobreza a qualquer coisa muito próximo da insignificância. Sobre esta matéria, o debate está rijo, ativo, embora centrado nas “consequências”. Quando são as “causas” que deveriam estar a preocupar os agentes do setor, em particular os jornalistas. É evidente que sempre que desaparece um jornal há um vazio que se instala. Um vazio a dois tempos: cultural e social. Cultural pelo silenciar das vozes que habitavam as suas páginas. Social pelas questões laborais que a situação acarreta. Mas este vazio bipartido espelha apenas e tão só as “consequências”. São as lágrimas a escorrer sobre o leite derramado. O que interessa saber e discutir e perceber é por que razão fecham os jornais? Por que razão perdem leitores? Por que razão não cativam anunciantes e não geram valor? Muitas serão as justificações para o descalabro. Umas estruturais, outras mais particulares. Mas há uma que, a olhos vistos, se destaca. As pessoas deixaram de ir ao quiosque porque os jornais “nacionais” não lhes oferecem nada de novo. São apenas um repositório, organizado em secções, de notícias remastigadas. De assuntos se não mortos, pelo menos moribundos, em função da trituração que até à sua publicação em página sofreram nos canais de divulgação imediata. A principal tarefa do jornalismo é contar histórias. E as histórias não são como a maçã de Newton. Não caem de maduras sobre as secretárias dos jornalistas. Estão na rua, misturadas com a multidão, carecem de serem lapidadas, examinadas, refletidas, investigadas, aprofundadas. Carecem de tudo aquilo que hoje os jornalistas portugueses não praticam e que Marguerite Duras resumiria numa só palavra: paixão. As pessoas não compram jornais porque neles nada de apaixonante encontram. Os jornais deixaram de ter “literatura”, que é a mais romântica das maneiras de dizer sedução e graça. Seria absurdo não admitir razões empresariais e organizacionais a implicar também em todo este desamor, mas é no seio da profissão que ele se revela com maior exuberância. E o amor, como se sabe e agora se constata, é f…


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