sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Diário do Alentejo Edição 1760

Editorial
Acontecimentos
Paulo Barriga

As pessoas, a maior parte
delas, não sabem nem sonham
como é problemático
fazer um jornal. Em particular,
um jornal de proximidade.
Como este. Para a grande maioria
dos leitores, um jornal é uma espécie
de álbum de cromos. Uma
coleção de notícias, de artigos, de
fotos e de outros materiais editoriais
que, no final, dão no que dão.
Sendo que a prática jornalística se
situa e esgota nesse meio-termo
entre a caça e a coleta de acontecimentos
que possam vir a originar
notícias. Embora ótima, é redutora
e bastante simplista esta visão
que ainda hoje se tem dos jornais.
Logo à partida pela simples distinção
entre o que é “acontecimento”
e o que pode resultar em “notícia”.
Uma tragédia, qualquer que
ela seja, é um acontecimento. Um
acontecimento tanto mais pungente
quanto mais ele estiver próximo
de nós. Um atropelamento
ligeiro na passadeira frente ao
Liceu de Beja é um acontecimento
que dará notícia no “Diário do
Alentejo”. O ataque de um homem
bomba numa rua de Istambul,
nem por isso. A proximidade, seja
ela afetiva ou emocional, seja ela
geográfica ou temporal, é uma boa
chave, mas não a resolução definitiva
para o complexo enredo que se
esconde por detrás do desenho de
um jornal. Mesmo que a proximidade
em relação aos acontecimentos
se constitua como uma boa
ajuda na seleção de matéria-prima
para as notícias, a proximidade
face aos protagonistas, principalmente
em jornais regionais, como
é o caso, é uma espécie de ópio.
Ao jornalista não se exige apenas
que colecione acontecimentos/notícia,
pede-se-lhe que o faça com
ética, com independência, com
isenção… Pede-se-lhe, afinal, que
faça uma condução sem derrapagens,
embora se saiba que o poder
é inebriante e que ainda mais
embebeda quando mora na porta
ao lado. E que gosta de espreitar
para dentro dos jornais pelo buraco
da fechadura. Não é fácil. Não
é nada fácil fazer um jornal. Mas
é possível. Mesmo hoje que os jornais
estão a ultrapassar uma crise
sem precedentes. Mesmo quando
tudo aquilo que sempre se exigiu
com grande rigor e profissionalismo
aos jornalistas dos jornais
afinal esteja agora ao alcance
de qualquer um no mundo digital.
Este é o tempo em que tudo, mas
mesmo tudo, é notícia. É o tempo
em que todos, mas mesmo todos,
são jornalistas. É o tempo em que
o emissor é anónimo, a notícia é
anódina e o destinatário é anómalo.
É o tempo de regressar aos
jornais. Rapidamente e em força.
As pessoas, a maior parte delas,
não sabem nem sonham como é
importante continuarem a existir
jornais. Em particular, jornais de
proximidade.

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