domingo, 20 de março de 2016

Diário do Alentejo Edição 1769

Editorial
Labregos
Paulo Barriga

O problema é comum a
todo o interior. No entanto,
o Alentejo continua
a ser a região do País
com maior falta de médicos.
Em agosto do ano passado, o
Governo decidiu estabelecer incentivos
extrassalariais para aliciar
os jovens médicos, a fixarem-
se fora dos grandes centros.
A medida não obteve sucesso. Os
médicos recém-especializados
preferem emigrar ou até mesmo
cair nas redes mafiosas da medicina
tarefeira do que cuidar da
saúde dos concidadãos que vivem
na campónia. Esquecendo,
os médicos assim como o
Estado, que somos também nós,
os labregos, que lhes pagamos
o cursinho. Assim, de repente,
não me ocorre de alguma vez
ter sido beneficiado com qualquer
medida fiscal ou outra por
morar na província. Sou freguês
de uma aldeia ao redor de Beja,
mas pago impostos como paga o
patrício da freguesia do Parque
das Nações. Pelo que não me parece
nada equitativo, fundado e
até legítimo que o companheiro
de Lisboa desfrute de meia-dúzia
de hospitais à escolha carregadinhos
de médicos até aos
sótãos e, às minhas filhas, nem
sequer lhes seja distribuído
um simples médico de família.
Alabregado, como já o disse,
pensava eu que havia falta de
médicos em Portugal. Mas não.
Não há. Há é falta de médicos no
Serviço Nacional de Saúde. O setor
privado está muito bem e recomenda-
se. E até estamos a exportar
boa matéria-prima para
os países ricos do norte europeu.
A abundância de médicos em
Portugal é de tal ordem que, esta
semana, a Associação Nacional
de Estudantes de Medicina, veio
reclamar ao Governo uma redução
no número de alunos que
anualmente tem acesso à universidade.
Dizem que os estudantes
e os médicos nas grandes
cidades são tantos que até encalham
uns nos outros em certas
aulas práticas. A imagem até seria
cómica, não fosse tão triste o
cenário. Há gente neste País que
morre por falta de assistência
médica e estes lorpas a quem pagamos
o curso (meio milhão de
euros entre formação básica e
especialidade), que estudam nas
universidades públicas e que se
formam em hospitais do Serviço
Nacional de Saúde, sempre às
nossas tenças, ainda têm a lata e
o despudor de vir fazer exigências
cretinas. Quando a única
coisa que se lhes exige, em nome
da moral e em abono do decoro,
é que devolvam às pessoas um
nadinha daquilo que elas, com
muito esforço, lhes proporcionaram.
Mesmo os labregos, como
nós.

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