sexta-feira, 15 de abril de 2016

Diário do Alentejo edição 1773

Editorial
Cheiro
Paulo Barriga

Está a ser boa, mesmo arrebatadora,
a representação
que as virgens de serviço
estão a desempenhar na
tragédia dos “Papéis do Panamá”.
É impressionante, por vezes comovente
de levar às lágrimas, a
forma como estas castas almas
se expõem em público, dramatizando
a sua perplexidade e teatralizando
com perfeito rigor a
sua incredulidade face à existência,
agora finalmente comprovada,
das forças do mal que imperam
a seu bel-prazer no reino
dos offshores. É vê-las, às virgens
de serviço, sobre os palcos dos noticiários
televisivos, arrepelando
os cabelos, bradando aleivosias
aos céus, blasfemando contra as
malfeitorias que os paraísos fiscais
infligem às nações soberanas,
aos mercados regulados, às
economias que se deixam tributar
e, acima de tudo, aos pacóvios
que, por serem tesos, pagam ingénua
e ordeiramente a dízima que
lhes cabe. Até o mais consagrado
dos atores profissionais terá de reconhecer
a sua incapacidade para
desempenhar com tamanho rigor
e aprumo este difícil papel de
donzela intacta e pura. Este papel
não, este papelão que ex-governantes,
políticos assim-assim,
economistas e fiscalistas de duvidoso
gabarito, pseudojornalistas
“especialistas na matéria” e demais
comentadores do fenómeno
económico estão a cumprir nas
televisões de Portugal. É que parece
mesmo verdade quando eles
abrem muito a boca e arregalam
ainda mais os olhos em reação de
surpresa face à existência de paraísos
fiscais. Como se nunca na
vida tivessem ouvido falar em tal
coisa. Como se não soubessem
como a coisa funciona e, acima
de tudo, como se não conhecessem
ninguém nas suas cercanias
que da coisa fizesse uso. Uma perfeição.
Não se tratasse de um teatro,
e as pessoas bem poderiam
conceber quão deslavadas são as
caras que vão à televisão falar de
fugas ao fisco, de injustiça fiscal,
de branqueamento de capitais ou
de lavagem de dinheiro. Correndo
o risco, muitas delas, de hoje desempenharem
o papel do comentador
e de, amanhã, passarem a
ser o centro da notícia. Daí que
não se cansem de alertar para o
facto de que nem tudo o que se
passa nos offshores é ilegal. Que é
necessário separar as águas. Mas
que ainda não tenham encontrado
um único argumento para justificar
a passagem de dinheiro pelos
paraísos fiscais que não roce o
crime, a ilicitude e a imoralidade.
Os antigos costumam dizer que “o
dinheiro não deita cheiro”. Mas
estes “Papéis do Panamá” vieram
dizer o contrário. Vieram dizer
que o dinheiro deita cheiro. Muito
cheiro. Um cheiro nada agravável.
Mesmo nada agradável.

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