sábado, 14 de maio de 2016

Diário do Alentejo edição 1777


Editorial

Ideologia

Paulo Barriga

Isto não tem nada de conjugal
ou de doméstico, mas a verdade
é que os políticos defendem
as… políticas. Aliás, não há
políticos sem políticas e a única
grande certeza que norteia este
enlace é que serão as políticas
que, mais tarde ou mais cedo, poderão
tramar os políticos, produzir
desgaste, obrigar ao divórcio
ou até mesmo à desgraça. Outra
questão fundamental entre nubentes:
existem políticas mais
marafadas do que outras, mais
daninhas, mais tramadas de aturar.
A reavaliação do financiamento
do Estado aos colégios privados
está a revelar-se uma dessas
políticas verdadeiramente travessas.
Na aparência, não há quem
lhe aponte um dedo: nos locais
onde chega a rede de serviço público
de ensino, o Estado não deve
comparticipar financeiramente o
funcionamento de escolas privadas.
Por mais desatento que ande
nesta vida, qualquer ser dotado de
sensatez dirá que se trata de uma
política justa, democratizante, integradora.
Mas como as aparências
costumam iludir, é preciso ir
com mais calma, com mais moderação,
no que respeita à avaliação
do carácter desta política. Até porque
há outros políticos que acham
que a livre escolha entre o ensino
público e privado e as espectativas
que alguns pais tinham em relação
ao percurso escolar dos seus
filhos não devem ser atraiçoadas
por este tipo de políticas cegas e
meramente economicistas. Este
é o típico caso de uma só política
que é batalhada por dois pretendentes
que não se topam, nem por
nada deste mundo, nem do outro.
E, de facto, esta é uma guerra de
mundos, como há muito se não
via no território político português.
Por um lado, os políticos que
defendem um Estado maior, mais
abrangente e funcional. Por outro,
aqueles que sustentam políticas
facilitadoras da economia de mercado
pura e dura e a primazia dos
agentes privados sobre o Estado.
Bem vistos e melhor compreendidos
os interesses em jogo, a guerra
que está reavivada em torno do financiamento
dos colégios é tão-somente
a peleja fundamental entre
as duas linhagens fundadoras do
parlamentarismo político: a esquerda
e a direita e as visões mais
ou menos conservadoras que cada
uma tem sobre a função e a qualidade
do Estado. Ou seja, mesmo
sem talvez se aperceberem, os políticos
portugueses parecem estar
a regressar ao fundamental
da sua existência, à ideologia, que
é a única maneira de tornar verdadeiramente
às pessoas e evitar
que estas virem as costas às políticas
dos políticos. E nem é necessário
ser grande político nem ter
frequentado um colégio privado
para perceber o alcance da coisa,
pois não?

Sem comentários: