sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Diário do Alentejo Edição 1813

Editorial
Henrique Ferra
Paulo Barriga

Encerrou no passado domingo
em Lisboa o 4.º Congresso
dos Jornalistas Portugueses.
O encontro decorreu no Cinema São
Jorge que fica, por ironia ou por fatalidade,
na avenida da Liberdade. Não
acontecerá, mas ironia e fatalidade
são palavras que se poderiam repetir
por aqui abaixo. Uma e outra vez.
Há quase 19 anos que os jornalistas
de Portugal não arranjavam vagar
para se reunir. No entanto, o maior
problema que acomete a profissão,
segundo os próprios, é o tempo. O
tempo que falta para mediar a realidade
na sangrenta luta de audiências.
O tempo que é pouco para conferir
a veracidade dos factos, avaliar
a idoneidade das fontes, suster os
avanços matreiros dos poderes ocultos.
O tempo de crescimento que não
é dado aos jovens profissionais, cujo
primeiro mergulho nas redações é
logo para dentro do tanque dos tubarões.
O tempo em que a precariedade
se sobrepõe ao rigor e em que
as incertezas alastram sobre a isenção
e a independência. O tempo, ou
a falta dele, dizem os jornalistas,
“está a condicionar o direito constitucional
à informação”. Um direito
que, à porta do cinema que exibiu
a tragédia do jornalismo português
contemporâneo, foi reclamado por
manifestantes da extrema-direita.
Episódio caricato que, como é evidente,
teve as suas repercussões no
conclave, onde se partilhou de forma
genérica a ideia de que o jornalismo
tem de se constituir também como
uma espécie de travão a todo e qualquer
tipo de fascismo, totalitarismo,
discricionarismo. Os profissionais
reconheceram, na generalidade, que
uma das funções primordiais do jornalismo
livre é precisamente a de regar
o pé à própria liberdade. E, por
isso mesmo, se optou por deixar os
militantes do PNR a falar para o boneco.
Para o último painel do congresso
tinha a comissão organizadora,
num gesto inédito de abertura
e inclusão, convidado os patrões dos
jornalistas. Curiosamente, ou nem
por isso, boa parte daqueles que com
maior ferocidade tinha exibido a sua
imaculada militância antifascista,
tentaram a todo o custo censurar
os participantes da sessão de encerramento,
onde se incluía inclusive o
ministro da tutela. Por muito que os
jornalistas de Portugal tentem imputar
a agentes externos todos os
males que assistem à profissão, é no
interior da classe que os fantasmas
continuam a habitar. E só um regresso
imediato ao jornalismo dos
valores, próximo dos cidadãos, com
ética e com humanidade, evitará,
por exemplo, que Henrique Ferra,
um hispano-brasileiro de 84 anos,
antigo delegado de propaganda médica
caído em desgraça, prossiga
sem ser notícia. O Congresso dos
Jornalistas ocupou o São Jorge por
quatro dias, este sem-abrigo dorme
lá à porta há seis anos. Na avenida da
Liberdade…

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