sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Diário do Alentejo Edição 1817

Editorial
Beato
Paulo Barriga

O que o povo ria com eles.
No tempo em que o
Portugal remendado tinha
de se pôr em bicos dos pés para
xeretar para dentro da Europa,
vulgo CEE, a mulher de um taxista
falido descobria a solução para os
problemas financeiros da família,
do bairro e até do País. Ao colher
uma alface que havia disposto
no saguão do prédio, a extremosa
dona de casa depara-se com um
acontecimento invulgar: um jorro
de petróleo. Raul Solnado, como
só e apenas ele conseguia, expunha
ao ridículo, mais uma vez, as
misérias do bom povo numa paródia
televisiva que viria a marcar
não apenas a sua carreira, como
todo uma época política e social
em Portugal. “Há petróleo no
Beato” assinalava, ou era suposto,
o começo da era das vacas gordas
no País dos “magriços”. O tempo
da milagrosa e inesgotável jazida
de Bruxelas que supostamente jamais
cessaria de brotar divisas e
abastanças. O tempo da ilusão. Eis
se não quando, passadas mais de
três décadas, volta a jorrar petróleo
no Beato. Que é como quem diz,
em tudo quanto é recanto de areia
neste jardim à beira-mar plantado.
A grande diferença entre os novos
prospetores de hidrocarbonetos e
a mulher do taxista Solnado é esta
e apenas uma: ela tinha mesmo
muita piada. Eles, piada nenhuma.
Quanto ao resto, não se podem deixar
de observar assinaláveis semelhanças
quanto ao argumento e,
acima de tudo, quanto à fantasia
que se pretende criar em torno das
risíveis potencialidades petrolíferas
do País. Ao todo, foram já autorizadas
e efetivamente realizadas
174 prospeções de ouro negro
em Portugal. Junto ao litoral, claro.
Em nenhuma delas, escusado será
dizer, se encontraram concentrações
de petróleo que dessem sequer
para mandar cantar um cego
à porta da igreja do Beato. Assim
mesmo, a corrida continua ao rubro.
Tentou-se o Algarve na certeza
de que a grande indústria do
turismo já ali instalada iria rechaçar
com veemência tamanha ousadia.
Mas a encenação estava
montada e era fundamental para
atacar a costa alentejana à grande
e à francesa. Fazer aprovar concessões
para a pesquisa e exploração
de petróleo ao largo do Parque
Natural do Sudoeste Alentejano
e Costa Vicentina não é propriamente
inteligente do ponto de vista
restrito da indústria extrativa. Mas
abrir exceções ao nível do licenciamento
pesado numa área protegida
e de grande sensibilidade
natural é algo que aguça o apetite
a muita gente, há tanto tempo. E
é este chico-espertismo nacional
que Raul Solnado tão bem caricaturava,
mas que, nesta encenação
particular e com estes comediantes
em concreto, não dá mesmo nenhuma
vontadinha de rir.

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