quarta-feira, 4 de abril de 2012

Pela Cultura no Alentejo

A realizar-se anualmente desde 2003, o festival “Terras Sem Sombra” continua, em 2012, a (re)abrir as portas das igrejas e monumentos religiosos históricos da região alentejana à música sacra.
Ao todo, o festival estende-se por quatro meses, em jeito itinerante, tendo já começado no passado dia 24 de Março em Sines, e com despedida marcada para o dia 23 de Junho, em Castro Verde.
No entretanto passará por Almodôvar, Beja, Grândola e Vila de Frades, sempre em igrejas ou junto a elas.
A programação 2012 está essencialmente centrada na importância do canto na música. Estabelece um percurso, legível, facilmente interpretável. Começa na polifonia do renascimento até à vanguarda. Tratamos de épocas, correntes, dando uma visão ecuménica, aliás, não nos centramos apenas na tradição ocidental mas olhamos também para a ortodoxa, com o Rachmaninov à cabeça”.
José António Falcão, Director Geral da iniciativa, falou com o Hardmusica sobre um festival que vai crescendo em contraciclo, com entradas gratuitas e numa espécie de anonimato sulista.
O director começa por nos contar que a organização tenta este ano “aprofundar a internacionalização do festival”, sendo sua a vontade de fazer do Alentejo uma paragem reconhecida na rota internacional da música sacra.
Como trunfo, relembra a possibilidade de os concertos se poderem realizar nas próprias igrejas: “em vários pontos do globo e também no nosso país, a música sacra em concerto está a ser um pouco rechaçada das igrejas. Não foram poucas as vezes que em festivais se tiverem que trocar as igrejas por salas de concerto, o que é uma verdadeira aberração e um erro que se paga caro”, argumenta, enfatizando a singularidade do “Terras Sem Sombra” no panorama actual da música clássica.
Por se realizar numa zona onde as populações precisam de apoio, a organização não as esquece, fazendo delas o primeiro público-alvo: “As pessoas que vivem nesta região têm vindo a ser, injustamente, afastadas dos circuitos culturais, e tentamos combater isso”, atira Falcão.
Mas a ambição é maior, e não se esquecem das populações das áreas contíguas e do próprio estrangeiro, especialmente do mercado espanhol. Este ano, aumentaram os números de contactos internacionais, o que regozija Falcão pelo facto de a organização olhar para o festival como “o rosto da região” e garante que o grande objectivo passa por convidar as pessoas a visitarem, não só o festival, mas também o Alentejo.
Fortemente ligado à zona onde se realiza, o festival tem a particularidade de não cobrar bilhetes para nenhum dos concertos.
O director garante-nos que isto não é sinal de grande orçamento, apenas um reflexo da realidade da região: “estamos a tentar consolidar públicos”, é a sua primeira resposta, completando dizendo que o Alentejo “tem muito poucos espectáculos de música clássica, como de outro tipo, e portanto o hábito de frequência destes eventos é algo que se tem vindo a enraizar pouco a pouco”.
Mais uma razão é a dúvida sobre a legalidade da cobrança por entradas em igrejas, que é também uma questão cultural: “O acesso á igrejas é um acesso por natureza gratuito. As pessoas acabarão por se adaptar a novos modelos, mas temos de ter em atenção que existem ritmos diferentes dentro do nosso país. Se há locais onde já é hábito este tipo de iniciativas, outros há que as organizações estão verdadeiramente a desbravar terreno”.
O festival não se pode queixar de falta de público, tendo já esgotado todos os concertos na edição do ano passado. Este ano, Falcão acredita que ainda é possível crescer mais, ou seria, não fossem as limitações estruturais, como as igrejas que “começam a ser pequenas para a enorme afluência”, diz-nos, levantando depois outra questão: “temos terras que exercem imensa pressão para aderirem a este festival. O problema é que temos a nossa própria escala, e não a podemos prejudicar por qualquer razão”.
Apesar de o “Terras Sem Sombra” poder tornar-se num caso sério na agenda musical portuguesa, os apoios institucionais não abundam: “Apesar do apoio das Câmaras Municipais, a chave do sucesso do festival tem sido a própria sociedade civil. Quando perdemos o apoio do Ministério da Cultura foram as misericórdias, as empresas, as famílias que nos ajudaram, oferecendo diversos serviços. Além disso, os contactos de Paolo Pinamonti, permitem trazer ao festival grandes nomes da música sacra a preços bem mais baixos daquilo que cobram habitualmente”.
Não podemos, portanto, falar de pieguices numa organização que nem sequer teve, à data da conversa, direito a uma resposta do Turismo De Portugal acerca da promoção externa: “Ainda não conseguimos conversar com o Turismo de Portugal no sentido de receber o seu apoio na promoção externa”, confessou-nos Falcão.

No próximo dia 14 de Abril, o “Terras Sem Sombra” passará por Almodôvar, para apresentar um dos momentos altos do festival: “vamos colocar o Marcos Portugal em diálogo directo com o Domenico Cimarosa, numa celebração do melhor que se fez no barroco”, garante, destacando a mistura de “temas litúrgicos com compositores que se “usam da linguagem sacra para falar da sua sociedade, que faz da programação 2012 algo muito sedutor”.


"In hard musica"

Sem comentários: