quinta-feira, 23 de maio de 2013

Diário do Alentejo Edição 1622

Editorial


Jerónimo

Paulo Barriga


Há muito tempo que o 19

de maio não sucedia a

um domingo. Que é o

dia, o domingo, que os líderes comunistas

pós-Cunhal emprestam

à evocação da memória de

Catarina Eufémia. Este ano calhou

bem. Jerónimo de Sousa esteve

em Baleizão no preciso dia

em que correram 59 anos sobre a

morte da principal entidade hagiográfica

do PCP. Sem a moldura

humana de outros tempos,

naturalmente. Sem o ímpeto,

nem a virilidade das primeiras

romagens, obviamente. Mas com

um discurso fulguroso, não surpreendentemente.

A prédica de

Jerónimo, hoje como nunca antes,

é de uma validade a toda a

prova. E isso é mau sinal. É sinal

que o País está  arrasado do

ponto de vista moral, social, económico

e financeiro. As palavras

de Jerónimo falaram disso. É sinal

que a independência nacional

está por uma unha negra. As palavras

de Jerónimo disseram isso.

É sinal que o dinheiro tem muito

mais valor que a dignidade humana.

As palavras de Jerónimo

ressalvaram isso. É sinal que a

dívida externa está a ser exigida

de forma usurária e a ser paga

por quem não a contraiu. As palavras

de Jerónimo relembraram

isso. É sinal que o caminho da

austeridade e da carestia é muito

mais largo e direito do que o caminho

do desenvolvimento económico

e da criação de emprego.

As palavras de Jerónimo contaram

isso. Ou seja: em tempos de

crise profunda, as de Jerónimo

são as palavras que qualquer cidadão

de bom senso quer ouvir

e fazer suas. Então, por que carga

de água não dispara o PCP eleitoralmente?

Será porque as pessoas

ainda acreditam que os comunistas

comem criancinhas ao pequeno-

almoço? Será que alguém

ainda teme ir bater com os costados

ao Campo Pequeno? Será

que as pessoas acham que a cassete

encravou no discurso certo

para este tempo exato? Será pelo

suposto sectarismo vermelho?

Será pelo sovietismo? Será? Não

me parece! O que sempre faltou

e continua a faltar ao discurso de

Jerónimo de Sousa, ao discurso

do PCP, é apenas um banal danoninho.

Um queijinho fresco

com sabor a poder. Não basta

que as palavras de Jerónimo digam

tudo o que todos querem

ouvir. Pois nunca passarão disso

mesmo: palavras. É necessário

que Jerónimo, algum dia, admita

que, com elas, com as suas

palavras, almeja fazer um programa

para governar o País. Mas

o verbo governar, conjugado na

primeira pessoa, é daquelas palavras

complicadas de se pronunciar,

mesmo quando o 19 de maio

calha a um domingo.

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