Editorial
Jerónimo
Paulo Barriga
Há muito tempo que o 19
de maio não sucedia a
um domingo. Que é o
dia, o domingo, que os líderes comunistas
pós-Cunhal emprestam
à evocação da memória de
Catarina Eufémia. Este ano calhou
bem. Jerónimo de Sousa esteve
em Baleizão no preciso dia
em que correram 59 anos sobre a
morte da principal entidade hagiográfica
do PCP. Sem a moldura
humana de outros tempos,
naturalmente. Sem o ímpeto,
nem a virilidade das primeiras
romagens, obviamente. Mas com
um discurso fulguroso, não surpreendentemente.
A prédica de
Jerónimo, hoje como nunca antes,
é de uma validade a toda a
prova. E isso é mau sinal. É sinal
que o País está arrasado do
ponto de vista moral, social, económico
e financeiro. As palavras
de Jerónimo falaram disso. É sinal
que a independência nacional
está por uma unha negra. As palavras
de Jerónimo disseram isso.
É sinal que o dinheiro tem muito
mais valor que a dignidade humana.
As palavras de Jerónimo
ressalvaram isso. É sinal que a
dívida externa está a ser exigida
de forma usurária e a ser paga
por quem não a contraiu. As palavras
de Jerónimo relembraram
isso. É sinal que o caminho da
austeridade e da carestia é muito
mais largo e direito do que o caminho
do desenvolvimento económico
e da criação de emprego.
As palavras de Jerónimo contaram
isso. Ou seja: em tempos de
crise profunda, as de Jerónimo
são as palavras que qualquer cidadão
de bom senso quer ouvir
e fazer suas. Então, por que carga
de água não dispara o PCP eleitoralmente?
Será porque as pessoas
ainda acreditam que os comunistas
comem criancinhas ao pequeno-
almoço? Será que alguém
ainda teme ir bater com os costados
ao Campo Pequeno? Será
que as pessoas acham que a cassete
encravou no discurso certo
para este tempo exato? Será pelo
suposto sectarismo vermelho?
Será pelo sovietismo? Será? Não
me parece! O que sempre faltou
e continua a faltar ao discurso de
Jerónimo de Sousa, ao discurso
do PCP, é apenas um banal danoninho.
Um queijinho fresco
com sabor a poder. Não basta
que as palavras de Jerónimo digam
tudo o que todos querem
ouvir. Pois nunca passarão disso
mesmo: palavras. É necessário
que Jerónimo, algum dia, admita
que, com elas, com as suas
palavras, almeja fazer um programa
para governar o País. Mas
o verbo governar, conjugado na
primeira pessoa, é daquelas palavras
complicadas de se pronunciar,
mesmo quando o 19 de maio
calha a um domingo.
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