quinta-feira, 25 de julho de 2013

Diário do Alentejo Edição 1631


Editorial
Sem-terra
Paulo Barriga

O Estado Português voltou
a ser intimado pelo
Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem a compensar
as “vítimas” da Reforma Agrária
em milhão e meio de euros. Em
números grossos, já indemnizámos
os latifundiários expropriados
em qualquer coisa como
240 milhões de euros. Isto sem
contar com a devolução integral,
ou quase, das terras intervencionadas
nos calores da revolução.
O que é fruta. É mesmo
muita fruta. Tanta fruta que não
podemos deixar de perguntar
o essencial: a Reforma Agrária
foi um equívoco? Não, não foi!
Na sua mais genuína essência, a
Reforma Agrária foi um salto civilizacional.
Para diante. No seu
mais puro íntimo, a Reforma
Agrária foi um poema coletivo.
Libertador. Foi uma janela de esperança
que se abriu sobre a charneca.
A Reforma Agrária não foi
um erro. O que não quer dizer
que não tivessem existido erros
na Reforma Agrária. Existiram.
E muitos. O primeiro dos quais
teve a ver com a definição dos
protagonistas. Fez-se a Reforma
Agrária para os trabalhadores rurais,
num tempo histórico e social
onde eles já rareavam, em função
da mecanização das culturas de
sequeiro. O que levou a uma importação
algo folclórica de “mão
de obra” na cintura industrial de
Lisboa. A terra, parte dela, não foi
bem para quem a trabalhava. Este
refluxo migratório levou a outro
erro crasso: à politização extrema,
por vezes cega, das intervenções
agrárias. Os jovens “revolucionários”
que chegavam em bandos
ao Alentejo não tinham conhecimento
do campo, do meio físico e
social, da cultura local. Vinham
apenas em busca de uma pitada
de aventura, esses missionários
da revolução. E, por isso mesmo,
se cometeu outro erro gritante: a
ocupação sem critérios, impulsiva,
tantas vezes injusta e discricionária
e desnecessária, de
certas propriedades. E aqui se
chegou ao erro fundamental da
Reforma Agrária: o uso da terra
não é bem a mesma coisa que a
posse da terra. A total impreparação
para a gestão das explorações,
que foi aligeirada pela centralização
de muitas cooperativas populares
em unidades coletivas, levou
ao desânimo, ao cansaço, ao abatimento,
à desistência. Mas os erros
que se cometeram na implementação
da Reforma Agrária
não se comparam, nem de perto
nem de longe, aos que se cometeram
com o seu desmembramento.
E o resultado está à vista, em milhões
de euros. Quanto ao resto,
os sem-terra do Alentejo tinham
razão: a terra deve estar nas mãos
de quem a quer trabalhar. Ontem.
Como ainda agora.

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