sábado, 25 de janeiro de 2014

Diário do Alentejo Edição 1657

Editorial
Tuaregues
Paulo Barriga

De entre todas as doenças
que acometem os territórios
do interior, a centralização
do aparelho, das economias
e dos serviços do Estado
é aquela que mais ferozmente lhe
debilita a saúde. Numa palavra só
se resume a visão monocéfala de
um País: Desertificação. E para
lá, para o deserto, caminhamos
a passos largos, mansamente, cabisbaixos.
O maior avanço que as
areias tomaram nos últimos tempos
foi soprado pelo vento da reorganização
do mapa nacional. A
fusão de freguesias e a própria extinção
de algumas, como foi o caso
de Bicos, não foi a única nem a última,
mas foi mais uma valente
duna que se criou entre Lisboa e
a província. Em breve chegará a
tempestade de areia que cobrirá
os concelhos com menor densidade
populacional. Entretanto,
excluindo um ou outro oásis, vão
sendo alegremente soterrados
postos da GNR, estações de correios,
escolas primárias, tribunais
de proximidade, estradas e linhas
férreas, repartições de finanças.
A par da aridez burocrática e demagógica
que asfixia e torna inabitável
o interior, o sultanato lisboeta
decidiu racionar as porções
de água aos tuaregues. Secura
que se revela nos cortes sistemáticos
nas transferências da administração
central para os municípios.
Em 2014, comparativamente
com o ano já de si doido de 2013,
as câmaras do Baixo Alentejo perdem
mais de 36 milhões de euros.
Isto, a somar à inexistência generalizada
de receitas próprias e ao
endividamento excessivo leva,
pois claro, ao delírio. É verdade
que Beja, há 30 anos a esta parte,
vive sob o estigma da perda. Há
até quem se contorça de riso com
tamanha alucinação coletiva. Mas
o desmantelamento da estrutura
do Estado na capital do Baixo
Alentejo tem sido tempestuoso
e nada ridente. A imagem decrépita
do antigo edifício do Banco
de Portugal é apenas o ramo seco
de onde observa pacientemente
o bando de abutres. Todavia, há
mais necrófagos à espreita. O desmantelamento
impiedoso de camas
e de serviços no Hospital
José Joaquim Fernandes, a somar
à encapuçada privatização do
Hospital de São Paulo, em Serpa,
é apenas um dos muitos pronúncios
da morte que se anuncia. O
mesmo se dirá do desprezo que o
ministro da Educação demonstra
para com o Instituto Politécnico
de Beja. Ainda que existam no
Governo pessoas, inclusivamente
cá da terra, que auguram um
grande futuro para o Alentejo.
Ou a secura também lhes anda a
toldar as ideias. Ou têm andado
a ler desalmadamente Fernando
Pessoa: Grandes são os desertos.
Desertos e grandes.

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