sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O rei Índio ou A lenda do quarto Rei Mago

 Muita gente, grandes e pequenos, conhece a história dos três Reis Magos. Mas a que se vai contar agora do chefe índio Lua de Prata é muito menos conhecida.
 Lua de Prata vivia no sopé de uma montanha na longínqua América. Certa noite, viu no céu uma estrela branca a arrastar uma cauda de pó de ouro. Lua de Prata conhecia bem as estrelas do céu, mas nunca antes vira algo semelhante. Reuniu o seu povo e falou-lhes:
— Nasceu uma nova estrela. Tenho a certeza de que é a estrela de um grande rei. Quero partir para lhe prestar homenagem.
Levou muitos presentes consigo. Três lamas foram carregadas com jarros cheios de água, azeite e mel. Também carregavam pão de milho e carne seca, uma valiosa pulseira de jade, uma bolsa com grãos de ouro e uma capa quente de tecido colorido.
— Adeus! — despediu-se Lua de Prata.
O seu irmão, Cervo Veloz, deu-lhe ainda um conselho:
— Não olhes para a esquerda, não olhes para a direita e não te importes com nada, ou não chegarás nunca ao teu destino.
Mas a mãe retirou do pescoço um adorno com uma pérola brilhante e disse, colocando-o ao pescoço de Lua de Prata:
— Este é a minha joia de casamento. Lembra-te que deves ajudar todo aquele que precisar da tua ajuda.
 
♦♦♦♦
Ao fim de vários dias, Lua de Prata deparou com duas raparigas e uma mulher cheias de fome. Há vários dias que o pai saíra para a caça e ainda não tinha regressado. Lua de Prata deu-lhes o que tinha para comer e pensou:
“Aquele que guia a estrela não me há de deixar morrer.” E prosseguiu viagem.
Quando alcançou a montanha, já era inverno. Lua de Prata encontrou um velho que se tinha refugiado de uma tempestade de neve sob um pinheiro e que estava meio enregelado. Lua de Prata deu-lhe a capa quente e colorida que tinha e passou com ele durante todo o Inverno, pois a neve estava tão alta que não conseguia atravessá-la. Partiu na Primavera, quando por detrás da montanha se estendia um magnífico prado.
“Agora vou avançar mais depressa”, pensou Lua de Prata. Mas encontrou um jovem pastor caído na erva. Tinha lutado contra os lobos mas estes, mais fortes do que ele, tinham-no ferido e afugentado as lamas aos quatro ventos. Lua de Prata tratou-o até ficar curado. Quando o Outono chegou, partiu novamente atrás da bela estrela, não sem antes oferecer as suas lamas ao pastor, pois um pastor sem rebanho não passa de um pobre homem.
 
Lua de Prata chegou finalmente à costa e reparou num barco de juncos. Dentro estavam um homem e uma mulher mortos e três crianças sentadas a chorar.
— Uns piratas mataram os nossos pais — contou o rapaz. — Roubaram-nos a vela e a rede de pesca.
Durante um instante, Lua de Prata lembrou-se do conselho do irmão: “Não olhes para a esquerda, não olhes para a direita e não te importes com nada.” Mas as crianças causaram-lhe pena. Enterrou com elas os mortos e junto de outros pescadores trocou a valiosa pulseira de jade por uma rede e duas velas. Em agradecimento, as crianças ajudaram-no a construir um grande barco de juncos. Mas tudo aquilo demorava o seu tempo e só ao fim de sete meses é que Lua de Prata pôde sair para o mar.
 
Durante muito, muito tempo, nada mais viu do que água. Finalmente, chegou a uma costa longínqua. Ouviu dizer que, para além da costa, se estendia um grande deserto e que uma caravana partira há alguns dias. Lua de Prata trocou então o barco por um camelo e partiu. Durante muitas semanas andou de poço em poço. Já estava quase a aproximar-se da caravana quando chegou a um oásis. Ali reinava grande tristeza. Os homens da caravana tinham roubado um jovem e faziam tenção de vendê-lo como escravo no Egito. Na noite seguinte, alcançou a caravana. Entregou todo o ouro que tinha e comprou o jovem e um camelo. Deu este ao rapaz que assim pôde regressar, liberto, ao seu oásis. Lua de Prata, no entanto, acompanhou a caravana até ao Egito. Aí ouviu falar de um novo rei que teria nascido na Judeia. Não hesitou e seguiu a estrela. Mal chegou à Judeia, a estrela empalideceu no céu. Por todo o lado perguntou pelo rei dos céus, mas ninguém soube dar-lhe informações exatas.
 
♦♦♦♦
 
Há já muitos anos que Lua de Prata caminhava. Certo dia, chegou a uma aldeia chamada Canaã, na Galileia, onde se festejava um casamento. Tinha fome e pediu pão. O chefe da cozinha queria mandar embora o pedinte, mas o noivo convidou-o a entrar em casa. Não era um casamento rico. O vinho tinha acabado e a noiva nem sequer levava um adorno. Lua de Prata reparou que ela estava triste por isso. Pegou então na joia que a mãe lhe dera e colocou-lha em volta do pescoço. Estava agora totalmente pobre. Era um autêntico mendigo.
Foi ao jardim. Os criados saíram de casa e encheram seis grandes jarros com água fresca. Lua de Prata ajudou-os a tirar a água do poço e os criados levaram a água para dentro de casa. Foi então que entrou um homem. Tinha cerca de trinta anos. Disse aos criados que dessem a provar ao chefe da cozinha um pouco do que levavam dentro dos jarros. Foi o que fizeram. No mesmo instante, aquele saiu da cozinha a correr, dizendo:
— Mas que vinho maravilhoso me trouxeram!
Lua de Prata olhou para o céu. Pela primeira vez ao fim de tantos anos, a luminosa estrela branca brilhava novamente. Lua de Prata olhou para o homem a quem até a água tinha obedecido, transformando-se em vinho. De repente, sentiu que tinha chegado ao fim da viagem. Rejubilou, exclamando:
— Aquele que guia as estrelas não me enganou!
Aproximou-se furtivamente do novo rei. Tocou‑lhe muito discretamente na túnica, dobrou o joelho, prestou--lhe homenagem. E exclamou, com alegria genuína:
— Os meus olhos viram por fim a salvação!
 
Willi Fährmann
Folget dem Stern
München, OMNIBUS, 2004
(Tradução e adaptação)

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