sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Diário do Alentejo Edição 1654

Editorial
Orçamentar
Paulo Barriga

Depois da tempestade, não
virá a bonança. Se há mérito
que se pode atribuir
à jovem guarda que nos governa,
ele aí está: A reforma exaustiva dos
provérbios, ditos e locuções portuguesas.
Do género: O infiel amigo
é o melhor dos inimigos; o que lá
vai, afinal não vai; depois de casa
assaltada, casa outra vez assaltada;
amor com retenção na fonte
se paga; quem dá o que tem a mais
é obrigado; quem não morre em
novo a velho também não chega;
quem tem capa já não escapa; um
diz mata-se, o governo diz esfola-se;
vender gato por... Enfim, o índex da
revolução proverbial é de tal forma
profuso que é melhor determo-nos
no dito que melhor se adequa à presente
quadra: Depois da tempestade,
não virá a bonança. Por estes
dias, os ministérios, os institutos, as
fundações, as empresas públicas, as
autarquias locais e todos os recantos
do Estado onde entra o nosso dinheiro
estão a “orçamentar”. Que é
a palavra fina do léxico português
que se usa nos despachos em detrimento
da palavra rude “esturrar”.
Orçamentar é coisa em que somos
especialistas. Gostamos tanto de orçamentar
que durante todo o ano
não nos importamos de rever o orçamentado
e de tornar a orçamentar
(também se pode dizer reorçamentar).
O Orçamento do Estado para
2014 é disso bom exemplo. Os cálculos
estão de tal forma calibrados
que apenas aguardamos a data para
a primeira das diferentes revisões
orçamentais que se seguirão. Para
este governo, as contas adiantadas
saem sempre muito bem apuradas.
Mas em apuros, para além das famílias,
dos doentes, dos velhos, das
empresas, de Portugal num todo,
estão também os municípios. Os
orçamentos que vão apresentando
não negam a penúria. Com menos
receitas próprias, menos dotações
estaduais e mais competências delegadas,
as tesourarias das autarquias
estão ao nível da mó de baixo.
Que é onde o peso de cima faz estalar
os bagos de trigo. E os desfaz em
pó. O que se espera é que, ao contrário
dos merceeiros novos-ricos que
governam o País, os autarcas ainda
se lembrem como se governavam as
casas antigamente: Nunca dando o
passo maior que a perna. Ou será a
perna maior que o passo?

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