quinta-feira, 5 de junho de 2014

AS FLORES E A HORTA


Nos Direitos do Homem, quanto a mim,
faz uma falta enorme que não venha
que toda a humana criatura tenha
direito a ter um jardim!

Este jardim é apenas um cantinho,
como convém;
mas as coisas do rude jardinzinho
criam-se bem.

Temos cravos vermelhos a cantar
com rubra voz,
que perfuma, com a cor e o cheiro, o ar
em roda de nós.

Temos os girassóis, que todo o dia
olham de frente
o Sol, e ensinam, simples, a alegria,
heroicamente.

Temos as sardinheiras, — raparigas
filhas do povo,
que vão p’ra a festa com seu lenço novo
a rir cantigas!

Temos as rosas bravas, linda flor
do meu amor;
e as doces moreninhas dos poetas:
as violetas.

Entre a beleza pródiga das cores
e dos perfumes,
florescem essas outras verdes flores:
os legumes.

As couves, com o seu verde meigo e ledo,
são tão belas!
(E houve tempo em que os poetas tinham medo
de falar delas...)

Enfim, todo ele é apenas um cantinho,
como convém:
mas as coisas do rude jardinzinho
criam-se bem.

Dá-nos as flores e a horta e, ao fim do dia,
Sentimo-lo sorrir e respirar...
E a mim dá-me a ilusão dessa alegria
de lidar com a terra — e de a cavar!


Afonso Lopes Vieira 
Canções do Vento e do Sol

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